segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Noite de Fevereiro

Juro, acredita em mim - a sala de visitas estava escura - mas a música chamou para o centro da sala - a sala se escureceu toda dentro da escuridão - eu estava nas trevas - senti que por mais escura a sala era clara - agasalhei-me no medo - como já me agasalhei de ti em ti mesmo - que foi que encontrei? - nada senão que a sala escura enchia-se da claridade que se adivinha no mais escuro - e que eu tremia no centro dessa difícil luz - acredita em mim embora eu não possa explicar - houve alguma coisa perfeita e graciosa - como se eu nunca tivesse visto uma flor - ou como se eu fosse a flor - e houvesse uma abelha - uma abelha gelada de pavor - diante da irrespirável graça dessa luz das trevas que é uma flor - e a flor estava gelada de pavor diante da abelha que era muito doce - acredita em mim que também não creio - que também não sei o que poderia uma abelha viva de pavor querer na escura vida de uma flor - mas crê em mim - a sala estava cheia de um sorriso penetrante - um rito fatal se cumpria - e o que se chama de pavor não é pavor - é a brancura subindo das trevas - não ficou nenhuma prova - nada te posso garantir - eu sou a única prova de mim.

Clarisse Lispector

in "Para não esquecer" - 5ª ed. - Siciliano - São Paulo, 1992

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